Ninguém mais sabe o que comer. São tantas informações contraditórias sobre o valor e os malefícios dos alimentos, que até nós, médicos, ficamos confusos.
Houve um tempo em que as famílias cozinhavam com banha de porco e fritavam bifes, ovos, batatas e bolinhos sem a menor preocupação com o teor lipídico das refeições.
Nessa época, em que não contávamos com os confortos da vida moderna, todos faziam as refeições em casa, andavam bem mais e engordavam muito menos.
Na década de 1920, o número de mortes por ataque cardíaco nos Estados Unidos estava abaixo de 10%; trinta anos mais tarde, atingia 30%. Como era preciso encontrar justificativa para esse fenômeno, o colesterol entrou em campo. A explicação parecia lógica: com o progresso, houve aumento do acesso à carne vermelha, alimento que eleva os níveis de colesterol; colesterol mais alto, mais ataque cardíaco.
A partir dessas ideias pré-concebidas, os serviços de saúde americanos passaram a recomendar que a população comesse menos carne e reduzisse ao mínimo o consumo de gordura animal, ideologia que se espalhou pelo mundo.
Digo ideologia, porque jamais houve comprovação científica de que a ingestão de carne vermelha teria relação direta com infartos do miocárdio ou derrames cerebrais. Todos os estudos que sugeriram essa associação apresentam vieses estatísticos que comprometem as conclusões finais.
Walter Willet, um dos mais respeitados epidemiologistas, calcula que um estudo rigoroso para esclarecer em definitivo essa questão, deveria envolver pelo menos 100 mil participantes, acompanhados durante 20 anos, a um custo total de pelo menos 1 bilhão de dólares. Quem estaria disposto a financiá-lo?
Agora, vejamos a questão das frituras.
Os espanhóis acabam de publicar um inquérito populacional conduzido entre 40.757 mulheres e homens de 29 a 69 anos, seguidos por um período médio de 11 anos, com a finalidade de avaliar a possível relação entre consumo de frituras, ataques cardíacos e mortalidade geral.
Para que essa população representasse melhor a variedade das dietas do país, escolheram habitantes de duas cidades no norte (Gipuzkoa e Navarra) e duas no sul (Granada e Murcia).
No período estudado, ocorreram 606 ataques cardíacos e o total de 1.135 mortes, somadas todas as causas.
De acordo com a quantidade de fritura na dieta, os participantes foram divididos em quatro grupos: consumo alto, médio-alto, médio-baixo e baixo.
A análise multivariada mostrou que na comparação entre os quatro grupos, não surgiram diferenças estatisticamente significantes quanto ao número de ataques cardíacos ou à mortalidade por qualquer causa.
Os resultados também não variaram entre aqueles que preparavam frituras com óleo de oliva ou de girassol — as duas formas mais frequentes na Espanha — ou com outros óleos vegetais.
Também não fez diferença o tipo de alimento frito: carne vermelha, peixe, batatas ou ovos.
Os autores consideram os resultados válidos para os países mediterrâneos, nos quais as frituras são feitas principalmente com óleo de oliva e de girassol, em vez de banha ou manteiga. Além dessa ressalva, insistem que os espanhóis não são consumidores contumazes de “fast food”, comida geralmente preparada com óleo usado diversas vezes, método que ainda não foi estudado no âmbito das doenças cardiovasculares.
Podemos aplicar em nosso dia a dia as conclusões acima?
Frituras têm alta densidade energética, porque durante o frigir os alimentos perdem água e absorvem gordura. Estudos anteriores mostram que ingeri-las em quantidades maiores está associado ao excesso de peso, à hipertensão e ao acúmulo de gordura abdominal, condições sabidamente ligadas ao aumento do risco de doenças cardiovasculares.
Se é assim, não seria de esperar que no estudo espanhol dietas ricas em frituras também constituíssem fator de risco?
Seria, caro leitor, mas em ciência nem tudo que parece lógico resiste ao crivo da análise experimental. Estudos populacionais são feitos justamente para comprovar ou jogar por terra afirmações dogmáticas.
Então posso comer fritura à vontade?
Se não quiser ganhar peso, acumular gordura no abdômen e ficar hipertenso, coma com parcimônia, mas sem remorso.
Por Drauzio Varella